quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Os palhaços somos nós.




A infância é um parque de diversões em que os palhaços somos nós. Sim nós, adultos prepotentes, carregados de mau feitio e com a mania que somos donos da razão, seja ela qual for. Pouco interessa. No umbigo gira o mundo e o resto pouco interessa. É a nossa realidade. Parece exagero? Não é. Basta olhar a correria desenfreada que se instala logo pela manhã. Entre o barulho dos automóveis, as buzinas que não param de tocar, o ruído ensurdecedor das máquinas que anunciam o início de um longo dia de trabalho; entre o cheiro a pão acabado de sair do forno misturado com o odor da poluição dos transportes; entre esta azáfama matinal que enlouquece qualquer um, as pessoas continuam o seu passo apressado, sem se aperceberem sequer do que as rodeia. Mente limitada, tosca, mesquinha. Palavras demasiado fortes? Agressivas? Que o sejam para quem “enfia a carapuça” pois os outros entendem o sentido de cada palavra.


Mas não vou desviar-me do meu pensamento inicial: a infância é um parque de diversões em que os palhaços somos nós. Olhando através do prisma da ingenuidade o panorama á ridículo. Uma criança diverte-se com qualquer coisa. Brinca, corre, pula. Nada mais a preocupa. Quando se porta bem recebe um doce. Na minha infância era o cornetto de chocolate que me acompanhava a cada boa acção e me fazia a criança mais feliz do mundo. Inocência. Antes ansiava o cornetto de chocolate, agora a chave do euro milhões; antes ansiava o cornetto de chocolate, agora um Óscar; antes ansiava o cornetto de chocolate, agora um prémio Nobel. Antes a inocência, agora a luxúria. A luxúria, a avareza, a gula, a vaidade, a ira, a inveja, a preguiça.


Uma criança olha em volta e não entende o porquê de tanta agitação. A mãe que acaba de chegar a casa e prepara o jantar numa correria com um olho na panela e outro no portátil, onde vai pesquisando, um clique atrás de outro, procurando tudo e nada ao mesmo tempo. O pai folheia o jornal apressadamente, página após página, enquanto o telecomando desenvolve quase mecanicamente um zapping frenético por cada canal. A mãe resmunga de um lado, o pai barafusta de outro, e no tapete da sala a criança sorri muito, fingindo longas conversas e brincadeiras com o seu amigo invisível. A criança tenta chamar a atenção. Vê tudo o que se passa à volta dela como se estivesse numa roda gigante, em que ela se diverte e quando olha para baixo vê uma confusão de coisas a acontecerem todas ao mesmo tempo mas que não interessam para nada. Continua a chamar a atenção, precisa da dedicação dos pais que estão demasiado ocupados. É preciso ler o Orçamento de Estado, ver quando é a próxima greve dos professores, como vão as acções da Bolsa, entre tantos outros afazeres de extrema importância. A criança chora. Ninguém repara.


Quanto maior é o tempo menores são os passos que dá-mos. Com o tempo, com as vivências, com as experiências perde-se o gosto pelas pequenas coisas, aquelas que nos podem trazer alguma felicidade (mas este é o pormenor esquecido). Desaprende-se a dar valor ao que realmente importa. Os palhaços somos definitivamente nós.

Diana Sousa

1 comentário:

Catarina disse...

Uma vez disseram-me "Gostava de ver o mundo pelos olhos de uma criança". É colorido*